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Em meados do século XVII é fundada na povoação um recolhimento de religiosas da Terceira Ordem de Penitência do Carmo por iniciativa de um casal, Pedro Fialho e Maria Lopes, pessoas de posses e sem descendentes, devotos de Nossa Senhora do Carmo. Após a competente autorização da hierarquia eclesiástica para a construção da igreja, foi lançada a primeira pedra, num ritual de pompa e circunstância como mandava o preceito, no dia 8 de Setembro de 1652.
A comunidade religiosa inicial era constituída por seis carmelitas calçadas que vieram de Lisboa. Obedeciam a votos de pobreza, caridade, contemplação e clausura, mas nunca obtiveram a devida confirmação claustral da Ordem, pelo que ficaram sujeitas à autoridade do ordinário exercido pelo arcebispado de Évora. As religiosas recusaram-se arreigadamente a prestar tal obediência, criando-se um conflito que se arrastou alguns anos, com arrebatadas cenas, a que não faltou o arremesso de um tinteiro por parte da madre do cenóbio ao rosto de um ilustre visitador. Por volta de 1739, serenaram os ânimos com a inevitável submissão das carmelitas.
Esta instituição foi acarinhada por muitos, recebendo importantes doações que permitiram a conclusão da igreja e a construção das dependências monásticas, num recinto cada vez mais ampliado. Destaca-se a avultada contribuição de Martinho Janeiro de Baraona, morgado da Esperança, que tomou posse do padroado do convento em 1747 e o beneficiou amplamente. Mas não foi benfeitor discreto e do feito quis deixar memória para a posteridade: mandou colocar na esquina do edifício o seu brasão pétreo com uma inscrição alusiva, datada de 1755. Com a Implantação da República e a extinção das ordens religiosas, o edifício passou a ser utilizado como hospital. Recentemente, acolhe um lar de idosos sob a administração da Casa da Misericórdia.
A igreja do Recolhimento do Carmo manteve-se menos sujeita à mudança dos tempos. Exceptuando as aberturas adulteradas do primeiro piso da sua fachada virada ao espaçoso e convidativo adro, o interior mostra-se um espaço acolhedor de igreja salão, adequado a uma congregação que chegou a possuir 34 membros em 1758. Os seus altares de talha barroca conservam uma colecção de imaginária setecentista de grande interesse, da qual se destaca, pela excelência, a escultura de Santa Rita de Cássia, já sem mãos, porque, segundo consta, os devotos ao pedirem uma graça levavam-lhe uma mão como garantia e só lha devolviam depois de obtida. Merecem menção pela qualidade algumas imagens, maioritariamente de crianças: Santa Ana a ensinar Nossa Senhora a ler, S. João Baptista Menino, carinhosamente apelidado de Baptistinha, ou o Bom Pastor, guardado no tesouro da matriz.
A capela-mor, profunda, está coberta por pinturas a fresco em perspectiva ilusionista, mas é o retábulo fingido da nave, de anacrónico esquema maneirista e carácter ingénuo, que prende a atenção. O pintor conseguiu captar o instante e o movimento nele contido: um robusto e enorme S. Cristovão de capa esvoaçante, apoiando-se no bordão de peregrino, olha lateralmente; às suas costas, o Menino, uma figura roliça e pequenina, acompanha o olhar na mesma direcção e abençoa.
Tanta igreja e capela (algumas já desapareceram), tanta imagem sacra, haveria de concluir-se que o povo de Cuba era especialmente devoto e cumpridor das suas obrigações cristãs. Mas não. A prática religiosa aqui, como em todo o Alentejo, era relegada para segundo plano; primeiro estava a lavoura e o sustento da família. Os domingos e dias santos eram muitos e o trabalho do campo era de sol a sol; o limiar da pobreza em que viviam muitos dos seus habitantes não permitia paragens que os patrões não remuneravam. Por outro lado, a fraca catequização das populações, a que se juntava um clero, frequentemente, pouco instruído, favorecia este cenário. Na última década do século XVIII, o prior da Igreja de S. Vicente de Cuba lamentava que os homens se confessassem apenas anualmente e que durante a confissão reagissem mal às suas perguntas, não admitindo qualquer interferência na esfera da vida íntima. Fr. Manuel do cenáculo, primeiro bispo de Beja (de 1770 a 1802), promoveu um esforço relevante na evangelização da população, através de missões, e viria a conseguir alguns resultados mas que se revelariam efémeros, atingindo, por certo, mais o povo da vila que do termo. De qualquer modo, em consequência dessa a acção, no ano de 1781, durante a Quaresma, o povo realizou uma manifestação de contrição colectiva: “Apareceo em publico o povo todo, umilhado e, penitente, arrependido diante do Senhor (…) os Grandes e os pequenos, os homens e os meninos, cubertas as cabeças de cinza, vestidos de cilicio e de saco. O silencio era profundo (…)” (Carta de Fr. José do Coração de Jesus a Fr. Manuel do Cenáculo, citada por Emília Salvado Borges, Homens Fazenda e Poder no Alentejo de Setecentos, 2000, p. 174. |