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As primeiras menções de sabor “turístico” conhecidas, sobre a região, referem-se a Milfontes, única povoação do litoral a sul do concelho de Sines até ao século XX.
Encontramo-las na literatura de viagens de inícios do século XIX, cujos relatos, imbuídos do culto romântico do pitoresco, nos legaram interessantes quadros dos locais visitados.
No princípio do século dezoito, “o botânico Gonçalo Sampaio, que tinha família em Odemira, deixou-nos um cenário de beleza idílica, numa descrição impressionista e um pouco melancólica – sem deixar de ser precisa e bem alcançada”, sobre a vista que proporciona o local do Cais de Milfontes.
“Em frente de Milfontes o Mira alarga-se consideravelmente, para formar um lindo porto sobre o qual se eleva a povoação. É esta uma terra verdadeiramente encantadora, com as suas casas pequenas e muito caiadas, com as suas ruazinhas limpas, com o seu velho castelo quase em ruínas, levantando-se abruptamente sobre o espelho claro do rio, com a sua vista para o mar, com o seu ar fresco, cheirando a algas, e com os seus brejos cercados de sebes e madressilvas. Lembro-me agora com saudade desta deliciosa e tranquila aldeia de pescadores onde passei alguns dias felizes da vida e onde, certamente, não voltarei mais.”
O Cais em estacaria de betão armado bem como o terrapleno e rampas foram construídos em 1939/40, no âmbito das políticas de obras públicas do Estado Novo. Era a partir daqui, “Rua dos Carris”, que embarcações como “MILFONTES” foram lançados à água. Aconteceu em Dezembro de 1933.
Naturalmente, o destino turístico do concelho haveria de ficar ligado às suas praias. Desde há muito, a população camponesa descia até ao mar nos dias 24 de Junho (nascimento de S. João) e 29 de Agosto (martírio de S. João) para banhos, em que incluíam os gados, cumprindo a velha tradição dos banhos santos. A presença dos animais acabaria por ser proibida por motivos higiénicos, já entrada a segunda metade do século XX. Em Milfontes, Almograve e Zambujeira, e em toda costa entre Porto Covo e Aljezur, estes banhos têm antiga lembrança. Especialmente o “banho do 29” (que valia por nove) constituía uma prática e um ritual anualmente repetidos. Ao banho na manhã de S. João acorria, por exemplo, à Zambujeira gente de várias freguesias do concelho; e o “do 29” acabaria por dar origem a uma feira, que contribuiu para a formação desta povoação.
Estes festivos banhos santos, de remota tradição pagã, com “músicas e danças” que se prolongavam noite fora, mantiveram-se até há bem pouco tempo. Mas, o hábito da frequência das praias para fins terapêuticos só se começou a divulgar aqui na primeira metade do século XIX, quando a talassoterapia se difundiu em associação com os novos conceitos naturalistas aplicados à medicina. Praia e medicina não deixariam de andar ligadas, o que se reflectiu em práticas hoje um pouco estranhas: nos anos 30 do século XX, antes da partida para a praia, os banhistas, especialmente as crianças, eram purgados através de um clister.
Entre as estâncias balneares do Alentejo, figuravam Sines, sem dúvida a mais concorrida e de mais nome, e Vila Nova de Milfontes. No âmbito do País, contudo, a sua importância passava despercebida. Ramalho Ortigão, em 1876, não incluiu qualquer praia alentejana – sequer do Algarve, é verdade - no seu roteiro balnear. E, ainda em 1908, havia quem não encontrasse qualquer praia digna de menção entre Sines e Lagos (Luz). Nada de estranhar: em Portugal, como lá fora, o Sul entrou tarde no grande turismo balnear. Depois, a perifericidade do litoral alentejano, a falta de transportes e a escassa população do hinterland restringiam as praias do concelho de Odemira a uma clientela limitada e sobretudo local.
Aos banhos salgados, afluíam inicialmente algumas pessoas de posses, para tratar de seus males de saúde. Em breve, porém, a praia tornou-se local de encontro das elites do concelho, ultrapassando a simples procura profilática e terapêutica.
As primeiras notícias explícitas sobre banhistas em Milfontes são ainda da primeira metade do século XIX, pouco depois de dominada a guerrilha miguelista que no Sul do País fez arrastar a guerra civil até ao início da década de 40.
Autor: António Martins Quaresma In "O turismo no litoral alentejano – do início aos anos 60 do século XX. O Exemplo de Milfontes". |